Em Êxodo 33, nós testemunhamos uma íntima conversa entre Deus e Moisés. Em meio a esse diálogo entre o divino e o humano, Moisés faz um pedido incomum: "Moisés disse: 'Por favor, mostre-me Tua glória'". Porém Deus o responde: "Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer" - v. 18-19. O que exatamente Moisés está pedindo a Deus quando ele pede para ver a Sua 'glória'? E como nós entendemos a resposta de Deus para a pergunta de Moisés?
A pergunta de Moisés para Deus é estranha para nossos ouvidos por causa do nosso entendimento moderno da palavra glória. Para nós, ela é comumente usada em honra concedida a alguém num consenso comum. Por exemplo, quando alguém vai para o campo de batalha, ele espera receber glória, ou seja, ele espera que suas ações na guerra vão arrecadar elogios e honra dos outros. Glória nesse contexto é centrada no homem, e isso pode ser ilusório. Como Montaigne (a.C. 1580) tão apropriadamente diz:
"Dentre todas as ilusões deste mundo, a mais universalmente aceita é concernente a reputação e glória, o que defendemos até mesmo a ponto de desistir de riquezas, descanso, vida e saúde, os quais são válidos e essenciais, para seguir aquele fútil fantasma e mero som que não tem consistência nem substância".
A palavra no hebraico para "glória" é kabob, e no Velho Testamento isso pode se referir a honra que humanos recebem (e.g. Gn 45:13; Et 5:11). Contudo, essa palavra tem um significado muito mais amplo do que meros elogios humanos. A palavra propriamente dita, na linguagem hebraica, significa literalmente "pesado". Isso é frequentemente usado num senso quantitativo: "Então Absalão tinha como costume cortar o cabelo uma vez no ano porque isso era 'pesado' nele" - 2Sm 14:26; a direção dos carros de faraó ficou "pesada" na perseguição dos israelitas em fuga - Êx 14:25; e as mãos de Moisés estavam "pesadas" quando ele levantou a cajado de Deus na batalha contra os amalequitas - Êx 17:12.
Mas a palavra glória é também empregada num senso qualitativo na Biblia. Isso pode se referir a algo que é pesado, carregado ou cheio de uma qualidade particular ou característica. Frequentemente isso pode refletir a qualidade moral que define a pessoa. Assim, na narrativa de Êxodo, quando chega-se ao o veredicto de que o coração de Faraó é "endurecido", ou literalmente "pesado", isso significa que seu coração é cheio de iniquidade e injustiça. Seu coração é "pesado, carregado" com pecado. Isso define seu próprio ser e caráter.
Quando Moisés pede a Deus para mostrar-lhe a Sua "glória", o líder hebreu está pedindo que Deus se revele assim como Ele é, a saber, a própria essência do Seu ser. O Senhor responde pela proclamação do seu nome, Javé, diante de Moisés. Essa auto-designação em Hebreus literalmente significa "Eu Sou o que Sou", e isso significa três coisas sobre a natureza de Deus.
Primeiro, Deus é auto existente e independente da criação; Segundo, Ele é imutável, inalterável;Finalmente, isso implica na eternidade do Seu ser.
O Senhor então responde a Moisés usando a fórmula "Sou o que Sou" - idem per idem - para expressar Sua natureza. Essa fórmula "Sou o que Sou" - "Gracioso... gracioso" e "misericordioso... misericordioso" - significa que Deus é autônomo, Ele é livre para outorgar Sua graça e compaixão para quem Lhe agradar. Isso ressalva a doutrina da Soberania de Deus.
Por que a palavra glória define a própria essência do Ser de Deus, isso passou a ser usado como a própria presença de Deus no meio do Seu povo. Então lemos em Exôdos 16 verso 10 que o povo de Israel olhou para o deserto e a "a glória de Deus apareceu na nuvem". Estudiosos da Bíblia chamam esse tipo de aparição de Deus de a glória shekinah, ou seja, a habitação da presença de Deus com o Seu povo. Essa é a nuvem de glória que vinha e cobria o Monte Sinai quando Deus revelava Sua palavra para Seu povo - Êx 24:15-16. Essa é a nuvem de glória que visitava do Santo dos Santos, tanto no tabernáculo quanto no templo - Êx 40:34-38; 1Rs 8:10-11. A glória shekinah é um sinal do próprio ser e da essência de Deus residindo no meio do Seu povo.
A maior manifestação da habitação da presença da glória de Deus - essência e ser - no meio do Seu povo é a encarnação de Jesus Cristo. O apóstolo João conta-nos que "o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e verdade" - Jo 1:14. A palavra grega que João usa para "habitou" seria para nós algo como um verbo, tabernacular, e isso é uma clara referência a habitação da presença de Deus no tabernáculo ou templo do Antigo Testamento.
A verdade é que "aqui está quem é maior do que o templo" - Mt 12:6. Jesus é a verdadeira glória de Deus.
—————————————
Tradução de Lidi Cecilio
Texto original disponível aqui.